Comunidade, que começou a ser reconhecida como GLS, hoje tem quase 10 letras e está aberta a reconhecer novas formas de diversidade sexual. Segundo especialista, movimento social é mais do que um rótulo e permite que essa parcela da população se reconheça.
A sigla começou pequena e cercada por tabus. Até meados de 1990, a combinação GLS era usada para reunir gays, lésbicas e simpatizantes da causa homossexual. Anos mais tarde começou a mudar e se transformou em LGBT, dando visibilidade também aos bissexuais, transexuais e travestis.
Logo veio o mais, símbolo matemático que já apontava o que estava por vir. E veio. Nos últimos anos, a busca pelo reconhecimento fez com que a nomenclatura crescesse e hoje ela ganha espaço com quase 10 letras: LGBTQIAPN+ (entenda a sigla, letra a letra, abaixo).
Para a socióloga Stela Cristina de Godoi, da Faculdade de Ciências Sociais da PUC-Campinas, a transformação reflete as mudanças sociais e, principalmente, a constante luta por representatividade. No Dia do Orgulho LGBT+, celebrado nesta quarta-feira (28), o g1 traz uma reflexão sobre o assunto.
“A gente não pode simplesmente enxergar como um rótulo, uma etiqueta que a gente coloca na testa das pessoas. Nem as pessoas precisam responder a essa demanda de dizer o que é, se classificar, se rotular. Não se trata disso. É importante o surgimento dessas novas nomenclaturas”.
“Se surgiram, é resultado de uma demanda de indivíduos e de grupo que não estavam confortáveis dentro das nomenclaturas anteriores e que precisam ser respeitados na sua diversidade, no seu direito a existir tal como são, fora dos rótulos, da normatização e da patologia”.
A sigla da comunidade busca representar diferentes grupos por sua diversidade, como explica Stela. A primeira é sobre sexo biológico, que diz respeito às características físicas e tudo que envolve o corpo. Inclui feminino, masculino e intersexo.
Em seguida está a identidade de gênero, que fala sobre como nos identificamos enquanto seres psicossociais. Neste caso, entram feminino, masculino, entre outros. Por último entra a orientação sexual, que reflete sobre as pessoas com quem nos relacionamentos.
Juntos, esses três fatores atualmente estão distribuídos da seguinte forma:
A segunda metade da sigla é recente. Ganhou força nos últimos cinco anos. Porém, a socióloga explica que tudo o que vem depois do ‘Q’ é resultado de um estudo que começou nos Estados Unidos em 1980. “A teoria queer, de certo modo, cria uma nova forma de interpretar o desejo, a sexualidade, o processo biopsicossocial diante de uma perspectiva nova”.
Com a noção de que as abordagens de sexo, gênero e orientação sexual são parte de um fenômeno social, até então, preso a um certo formato, a teoria entendeu que “as chamadas ‘minorias sexuais’, ficaram estigmatizadas ou por uma ideia marginalizante ou desviante, como aquilo que não é normal, que escapa da compreensão de normalidade. A teoria queer faz essa crítica”, comenta Stela.
É como se cada letra da comunidade LGBT tivesse sido deixada em uma caixa, quadrada e fechada, que não dava abertura para novas possibilidades. Para piorar, ainda as definia como algo que estava à margem da sociedade e que não era parte dela. Para a especialista, a teoria queer “foi um marco importante, que abriu a possibilidade para novas nomeclatura”.
Desse conhecimento veio a conclusão de que essas identidades podem ser fluidas. Isto é, nem todo mundo precisa estar limitado ao feminino ou ao masculino, por exemplo. “Intersexual, assexual, pansexual, não sexual e o mais, são desdobramentos dessa crítica à ideia de normalidade”, completa.
Embora as nomenclaturas sejam importantes para que as pessoas da comunidade se sintam representadas, a professora e doutora da PUC lembra que elas não podem ser vistas apenas como um glossário. É muito mais do que isso. Do ponto de vista da sociologia, são marcadores que ajudam a regular o funcionamento de instituições sociais, como o casamento e a família, por exemplo.
“Todas essas ideias são muito mais do que só ideias ou sentimentos individuais. Elas ganharam ao longo da história uma consistência maior no sentido de prescrever determinadas formas de conduta às quais os indivíduos devem obedecer para estar incluindo e ser funcional. Essa é uma perspectiva mais funcionalista, que é muito comum no pensamento sociológico e ajuda a entender as nomenclaturas LGBT”.
Exatamente por se tratar de uma construção social, a comunidade LGBTQIAPN+ está sempre aberta às novas formas de diversidade. Isso explica o surgimento de novas letras e até mesmo a mudança das que já existem. Stela cita como exemplo a própria compreensão de feminino e masculino, que mudaram e continuam mudando há séculos. “Esses marcadores sociais sempre mudaram. Não é um fenômeno da contemporaneidade”.
“É importante destacar que não se trata apenas de a gente construir definições para um glossário de termos que explique o que é cada uma dessas letras na sigla. Lógico que isso é importante também para que as pessoas entendam as diferentes identidades, quem são as pessoas por trás dessas siglas”.
Avanço que permite que Fah Moraes, pessoa não binária, entenda a própria identidade, por exemplo. Morando em Campinas e presidindo a União Nacional LGBT no Estado de São Paulo, viveu um processo longo até perceber que não era apenas homossexual, mas que também vivia a diversidade em seu gênero. Hoje atua para que essa informação chegue mais longe.
“Me sentia em busca de algo. Não sabia que era sobre minha existência. Uma pessoa trans não-binária é uma pessoa que rompe com esses rótulos que o feminino e masculino entregam. O que eu proponho é que não exista mais esses mundos. Que a gente entenda que existam várias formas de conceber, de estar na sociedade”, comenta.
“Se reconhecer uma pessoa não binária dentro do que a gente está chamando de direitos humanos LGBTQIAPN+ é dar visibilidade para as existências. Eu acho muito gratificante, desde que me conheço como uma pessoa não binária, é revolucionário só por ser. A gente está dizendo que não cabe esse sistema cisnormativo”.