Segundo a prefeitura de Porto Alegre, idosos são maioria entre milhares que aguardam resgate
A Prefeitura de Porto Alegre afirmou nesta terça-feira (7/5) que precisa da ajuda de “qualquer embarcação” para resgatar milhares de moradores da cidade que ainda esperam por socorro em bairros completamente alagados na capital do Rio Grande do Sul.
As fortes chuvas que afetam o Estado desde a semana passada já provocaram ao menos 95 mortes e afetaram 401 dos 497 municípios gaúchos, segundo dados divulgados às 18h.
Porto Alegre foi especialmente atingida por conta do transbordamento do lago Guaíba, cujo nível da água está em 5,22 metros, quatro metros acima do volume considerado normal, segundo o Centro Integrado de Coordenação de Serviços da cidade.
“Fazemos um apelo a quem tiver qualquer embarcação que possa ajudar [nos resgates]. Jets ski, barcos com motor, e até barcos sem motor, porque eles podem ser puxados pelos outros”, afirmou o vice-prefeito de Porto Alegre, Ricardo Gomes (sem partido), em entrevista coletiva na tarde desta terça-feira (7/5).
Segundo a prefeitura, a situação é pior em dois bairros: Humaitá e Vila Farrapos, onde o nível da água aumentou entre segunda e terça-feira.
“Há milhares de pessoas esperando por resgate nessas áreas, onde praticamente só há voluntários e algumas equipes da prefeitura. Há muitos idosos que estão há cinco dias sem comida e água, em cima de telhados”, disse Gomes.
Durante entrevista coletiva, o prefeito Sebastião Melo (MDB) também afirmou que apenas três das oito estações de tratamento de água estão em funcionamento na cidade: Belém Novo e São João, essa última religada nesta terça. Estima-se que 80% da população de Porto Alegre esteja sem abastecimento de água.
Melo afirmou que “há possibilidade de religação de outras duas estações, mas ainda não sabemos se isso acontecer vai hoje ou amanhã”.
Ele disse ainda que 16 caminhões-pipa estão circulando por Porto Alegre, com o objetivo de fornecer água principalmente para hospitais e casas de repouso com idosos.
O prefeito também informou que “todos os eventos” estão suspensos na cidade, além de ter orientado o comércio a não retomar as atividades em partes da cidade que estão alagadas.
As aulas nas escolas públicas estão suspensas até pelo menos a próxima sexta-feira.
“Espero que as particulares também sigam nesse caminho”, disse Melo.
Em todo o Rio Grande do Sul, 159 mil pessoas tiveram que deixar suas casas e 48,7 mil delas estão morando em abrigos.
O governo estadual ainda contabiliza que 1,4 milhão de pessoas foram afetadas pelo evento climático extremo. Há 372 feridos e 131 desaparecidos.
Na segunda-feira (6/5), o Climatempo emitiu um alerta sobre um ciclone extratropical que se forma próximo da costa da Argentina, na altura da província de Buenos Aires.
Este sistema não vai passar sobre o Rio Grande do Sul, mas a presença dele vai favorecer o aumento da intensidade dos ventos pela região Sul do Brasil.
Além disso, segundo os meteorologistas, ele dá origem a uma nova frente fria que vai reforçar as instabilidades outra vez pelo Rio Grande do Sul, provocando o retorno da chuva no centro-norte do Estado.
Condições de temporais e chuva volumosa são esperadas, em especial, no centro-sul, oeste e noroeste gaúcho.
Embora o ciclone esteja no oceano, os ventos previstos associados a ele, podem atingir velocidades de 60 a 80 km/h – mesmo que não esteja chovendo.
Nas regiões com risco de temporais, os ventos podem atingir velocidades próximas a 90 km/h, segundo o Climatempo.
No domingo (5/5), o governo federal já havia alertado que a frente fria poderia se tornar uma preocupação.
Na quarta-feira, a temperatura deve baixar para até 10°C em algumas áreas do Estado, segundo o Comando Militar do Sul.
O comando, que participa da operação de auxílio às vítimas, afirmou que a ideia é acelerar os trabalhos até esta terça, já que a frente fria vai piorar as condições de retirada de pessoas, além de aumentar o risco de hipotermia em pessoas que estejam aguardando o resgate ao relento ou sob a chuva.
Os meteorologistas do Climatempo afirmam ainda que a situação de nível de água dos rios do Estado permanece delicada devido à enchente dos últimos dias.
E, com o aumento das rajadas, pode haver novamente o transporte de água para muitas regiões do Estado.
Autoridades estão trabalhando para reestabelecer os serviços e rotas de transporte.
Um balanço divulgado pelo governo do Rio Grande do Sul na tarde desta terça-feira (7/5) informou que há cinco barragens de hidrelétricas em situação de emergência, com risco iminente de rompimento.
Segundo o governo gaúcho, isso aponta que devem ser tomadas “providências para preservar vidas”.
Entre essas medidas, está a retirada de famílias das áreas que podem ser atingidas caso ocorra um rompimento. Não foi informado o número de famílias que estão nessa situação.
Esse levantamento é feito pelo governo por meio da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e do Operador Nacional do Sistema (ONS).
Uma das seis barragens em situação de emergência, localizada entre os municípios de Bento Gonçalves e Cotiporã, registrou rompimento parcial no domingo.
De acordo com o governo, ainda há outras quatro barragens em estado de alerta. Isso significa que elas apresentam “anomalias que representam risco à segurança” e exigem manutenções para que a situação não se agrave.
O grupo responsável por esse balanço informou ainda que há 13 barragens em estado de atenção. São estruturas que possuem anomalias, mas que não comprometem a segurança a curto prazo. Elas necessitam de monitoramento, controle ou algum reparo.
Em entrevista a jornalistas no sábado (4/5), o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), afirmou que a grave situação causada pelas enchentes no Estado vai exigir a adoção de um “Plano Marshall”.
O Plano Marshall foi a estratégia americana de aplicar bilhões de dólares na reconstrução da Europa aliada após a Segunda Guerra Mundial.
“Vamos precisar de medidas absolutamente excepcionais. O Rio Grande do Sul vai precisar de um Plano Marshall, de medidas absolutamente extraordinárias. Quem já foi vítima das tragédias não pode ser vítima de desassistência e da burocracia”, disse o governador à imprensa.
Ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no domingo, Leite afirmou que esse plano terá de envolver também estratégias de resiliência climática, que permitam ao Estado resistir aos extremos climáticos globais.
Na segunda-feira, o governador atualizou a avaliação durante um encontro com o Conselho do Estado.
“Estamos em um momento de administrar o caos, pois a partir de agora teremos que lidar com muitas dimensões do impacto das enchentes pelo Estado. Além de continuar com os resgates, teremos os desdobramentos nas várias frentes desta que é a maior catástrofe que o Rio Grande do Sul já enfrentou”, disse ele.
Ainda no domingo, Lula visitou o Estado para discutir os próximos passos de reação à tragédia.
“É preciso que a gente pare de correr atrás da desgraça (…) e aja com antecedência” na prevenção de tragédias, disse Lula.
O presidente afirmou que o governo federal ajudará na recuperação da infraestrutura estadual – e que a burocracia estatal não atrapalhará nos esforços de reconstrução.
“O Brasil deve muito ao Rio Grande do Sul”, agregou Lula, mencionando a pujança agrícola do Estado.
“Se ele sempre ajudou o Brasil, agora está na hora de o Brasil ajudar o Rio Grande do Sul.”
O ministro dos Transportes, Renan Filho, afirmou que será liberado R$ 1 bilhão a mais para recuperação de rodovias federais por causa da chuva.
O governo também liberou mais de R$ 580 milhões em emendas parlamentares para o Estado, a maior parte para a área de saúde.
Meteorologistas ouvidos pela reportagem da BBC News Brasil explicam que as chuvas intensas registradas no Rio Grande do Sul nos últimos dias são consequência de uma combinação de três fatores principais:
“Essa massa de ar quente sobre a área central do país bloqueou a frente fria que está na região Sul, impedindo-a de avançar e se espalhar para outras localidades. A junção desses fatores faz com que essa instabilidade fique sobre o Estado, causando chuvas intensas e continuas”, explica Dayse Moraes, meteorologista do Inmet.
Aliado a isso, o período entre o final de abril e o início de maio de 2024 ainda tem influência do fenômeno El Niño, que é responsável por aquecer as águas do oceano Pacífico, contribuindo para que áreas de instabilidade fiquem sobre o Estado.
Essa combinação de diversos fatores de uma única vez é considerada rara pelos especialistas.
As chuvas catastróficas do Sul têm relação direta com a onda de calor registrada na região Centro-Oeste e Sudeste, onde as temperaturas estão cerca de 5°C acima da média neste outono.
“Com a intensificação das mudanças climáticas globais, os eventos climáticos extremos serão mais frequentes e intercorrentes”, acrescenta Rafael de Ávila Rodrigues, professor e climatologista do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Catalão (UFCAT).