
Pix, Rua 25 de Março e redes sociais: o que está na mira da investigação comercial que os EUA abriram contra o Brasil
O documento que detalha a investigação comercial aberta pelo governo dos Estados Unidos contra o Brasil cita de Pix a mercado de etanol, passando por desmatamento ilegal a práticas de corrupção. Esses e outros itens serão alvo de apuração do Escritório do Representante do Comércio dos EUA (USTR, na silga em inglês), que abriu o processo e vai determinar se as práticas listadas são consideradas desleais.
A investigação é mais uma medida do cerco que Trump está montando contra o Brasil. O governo americano também já anunciou a imposição de uma sobretaxa de 50% a partir de 1º de agosto sobre importações brasileiras. Veja abaixo o que está na mira do escritório dos EUA:
Pix no alvo
O USTR afirma que o "Brasil parece adotar uma série de práticas desleais em relação aos serviços de pagamento eletrônico, incluindo, mas não se limitando a, favorecer os serviços de pagamento eletrônico desenvolvidos pelo governo."
Comércio popular da 25 de março
O documento cita também a rua 25 de Março, tradicional polo de comércio popular no centro de São Paulo, para criticar as supostas falhas na proteção e aplicação adequada e efetiva dos direitos de propriedade intelectual.
Para o USTR, "a região da Rua 25 de Março permanece há décadas como um dos maiores mercados de produtos falsificados, apesar das operações de fiscalização realizadas no local".
O escritório acusa o Brasil de "não conseguir enfrentar de forma eficaz a ampla importação, distribuição, venda e uso de produtos falsificados, consoles de videogame modificados, dispositivos de streaming ilícitos e outros dispositivos de violação".
Para os EUA, a falsificação "continua sendo generalizada porque operações de apreensão não são seguidas por punições ou sanções com efeito dissuasivo".
Redes sociais
O relatório do USTR cita que a Suprema Corte brasileira votou recentemente para tornar as empresas de redes sociais responsáveis por publicações ilegais feitas por seus usuários, mesmo na ausência de uma ordem judicial para remover esse conteúdo.
No entanto, o conceito de publicações “ilegais” abrange uma ampla gama de discursos, incluindo discursos políticos. Esse regime pode levar à remoção preventiva de conteúdos e à imposição de restrições a uma ampla variedade de manifestações, além de aumentar significativamente o risco de prejuízos econômicos para empresas de redes sociais dos Estados Unidos.
Além disso, tribunais brasileiros emitiram ordens sigilosas instruindo empresas norte-americanas de redes sociais a censurar milhares de postagens e a desativar as contas de dezenas de críticos políticos — incluindo cidadãos dos EUA — por discursos legais realizados em solo norte-americano.
Acesso ao mercado de etanol
O USTR frisa que os Estados Unidos enfrentam tarifas mais altas sobre o etanol impostas pelo Brasil e um comércio que classifica como "desequilibrado", resultante da decisão do Brasil de abandonar o tratamento recíproco e praticamente livre de tarifas, "que promovia o desenvolvimento de ambas as indústrias e um comércio próspero e mutuamente benéfico".
Brasil e Estados Unidos são os dois maiores produtores de etanol do mundo. Em 2024, os Estados Unidos produziram cerca de 16,1 bilhões de galões de etanol, enquanto o Brasil produziu quase 8,8 bilhões de galões — números que, juntos, representam 80% da produção mundial total do produto.
De acordo com o relatório, o Brasil impôs pela primeira vez uma cota tarifária (TRQ) de 600 milhões de litros por ano de etanol em 2017, com uma alíquota de 20% sobre as importações que excediam essa cota.
Em setembro de 2019, a cota foi ampliada para 750 milhões de litros anuais, mas expirou em dezembro de 2020, fazendo com que todas as importações de etanol passassem a ser tributadas com a alíquota de 20%.
No ano seguinte, esse percentual caiu para 18% . "A expiração da TRQ e as tarifas significativamente mais altas aplicadas pelo Brasil tiveram um impacto negativo no comércio bilateral de etanol, que antes era robusto".
O documento diz ainda que o Brasil eliminou temporariamente a tarifa sobre o etanol de 23 de março de 2022 até 31 de janeiro de 2023, mas depois a restabeleceu em 16%. A partir de 1º de janeiro de 2024, o Brasil fixou a tarifa sobre o etanol em 18%, valor que permanece em vigor.
Desmatamento ilegal
O escritório americano também cita relatórios que sugerem que o desmatamento ilegal ocorre "em níveis significativos no Brasil" e aponta estimativas de que "mais de um terço de toda a madeira da Amazônia seja de origem ilegal, seja por ter sido extraída ilegalmente de terras protegidas, seja por ter sido explorada sem as devidas licenças e autorizações".
Diz ainda que "há evidências documentadas do uso extensivo de trabalho forçado no contexto do desmatamento ilegal".
Tarifas preferenciais
O Brasil concede à Índia e ao México um tratamento tarifário preferencial que não é estendido aos Estados Unidos, diz o documento. Esse tratamento preferencial abrange milhares de linhas tarifárias para o México e centenas para a Índia, com alíquotas entre 10% e 100% inferiores à tarifa de Nação Mais Favorecida (NMF) do Brasil.
Entre os produtos estão itens agrícolas, veículos e autopeças, minerais, produtos químicos e máquinas.
Em 2023, o Brasil importou aproximadamente US$ 5,5 bilhões em bens com essas tarifas preferenciais — US$ 4,6 bilhões do México e US$ 1,0 bilhão da Índia. Entre os produtos beneficiados por essas tarifas preferenciais, destacam-se cerca de US$ 1,7 bilhão em veículos e autopeças oriundos do México.
Quase todas as importações brasileiras desses produtos vindos do México foram isentas de tarifas, enquanto as importações provenientes dos Estados Unidos foram submetidas às tarifas de NMF, quase todas variando entre 14% e 35%, afirma o relatório.
Combate à corrupção
O relatório diz que "há indícios de que os esforços do Brasil no combate à corrupção enfraqueceram consideravelmente em algumas áreas".
De acordo com o USTR, há relatos indicando que promotores têm feito acordos "opacos" para conceder leniência a empresas envolvidas em corrupção. Também são apontados conflitos de interesse em decisões judiciais.
O documento cita "um caso amplamente divulgado" sem dizer qual. O caso envolveria suborno de funcionários públicos em projetos públicos e lavagem de dinheiro. O USTR critica "decisões de um ministro do Supremo Tribunal Federal" que anulou as condenações, o que teria levado a críticas generalizadas.
"Evidências indicam que a falta de aplicação das medidas anticorrupção e a falta de transparência no Brasil podem prejudicar empresas americanas envolvidas em comércio e investimento no país, além de levantar preocupações quanto ao cumprimento de normas internacionais de combate ao suborno e à corrupção", diz o relatório.